Ô sonão...

Nunca gostei muito de poesia. Mas sempre gostei de ler.
Nas duas frases acima estão duas verdades vistas do meu ponto de vista.
E estão também duas cacofonias. Não são daquelas que todos percebem, tipo a "boca dela", mas para ouvidos atentos percebe-se.
Eu realmente nunca me senti atraído por poesia. Talvez por ser algo, vamos dizer, muito certinho e muito meloso. Pelo menos era o que eu pensava quando alguém falava a palavra poesia.
Entretanto, de um tempo pra cá (não sei precisar o tempo) comecei a gostar cada vez mais de poesia. Mas também descobri uma coisa. Poesia não é apenas soneto e muito menos trata apenas de coisas melosas.
Arnaldo Antunes (esta capa à esquerda é do mais recente livro dele - ET EU TU), foi, e ainda é, para mim um abridor de portas, ou de cabeça. Suas poesias, que admirava sem saber que era poesias desde a época em que ele escrevia para os Titãs, me fazem, como diz uma gíria moderna "pirar o cabeção". Ele tem muitas coisas fantásticas. Mas depois descobri Augusto dos Anjos, Tomás Antônio Gonzaga, Basílio da Gama, dentre outros que minha memória não me permite escrever agora. E, mais recentemente, descobri um outro poeta por quem nutro uma certa admiração. Carpinejar. Até o nome dele parece poesia. (a capa à direita é do livro dele que já li por inteiro, e recomendo - Terceira Sede)
Abaixo colocarei duas poesias. Uma de Arnaldo e outra de Carpinejar. Espero que, mesmo que você não goste de poesia, como eu não gostava, leia-as de alma aberta e tente encontra nelas não apenas sentidos, mas direções, interpretações, divagações, iluminações. Pois descobri que poesia é isso. Não é fixo, é mudança. Não é lago, é mar. Não é ar, é vento. Não é estática, é movimento.
A primeira poesia é uma composição visual de Arnaldo. Clique na figura para vê-la maior e poder ler a poesia. Está no livro ET EU TU.

A poesia a seguir é de Carpinejar. Não a colocarei inteira aqui. Fica muito grande na página, mas clicando no seu título, vai-se à página onde ela está toda inteira. Extraído de Terceira Sede, Segunda Elegia:

"Ser inteiro custa caro.
Endividei-me por não me dividir.
Atrás da aparência, há uma reserva de indigência,
a volúpia dos restos.

Parto em expedição às provas de que vivi.
E escavo boletins, cartas e álbuns
- o retrocesso da minha letra ao garrancho.

O passado tem sentido se permanecer desorganizado.
A verdade ordenada é uma mentira.

O musgo envaidece as relíquias. Os dedos retiram as teias,
assisto à revoada de insetos das ciladas.
Fujo da claridade, refulge a poeira.
O par de joelhos na imobilidade de um rochedo.

Reviso o testamento, alisando a textura
como um gramático da seda.
Desvendo o que presta pelo som do corte.

O que ansiava achar não acho
e esbarro em objetos despossuídos de lógica
que me encontram antes de qualquer pretensão.

O que fiz cabe numa caixa de sapatos."


Duplos, terceiros, quartos sentidos... Isso, para mim faz parte do que gosto em poesia. Sou hoje fascinado pela palavra, pelo que a palavra pode fazer. Esse é o motivo do título do post.
Estava conversando com Jussara esse fim de semana e falando sobre sono ou algo parecido, então ela bocejou. Aí falei: "Ô sonão! Isso sim!" Quando falei isso começamos a rir. Tínhamos conversado outros momentos sobre sono e a junção da conversa anterior com essa a fez sorrir. O meu motivo foi esse também, mas ajuntou-se a outro. Quando falei isso, pensei em osso. "Osso não", foi a frase que me veio à mente. Que faria par com "Isso sim". Depois pensei em "Ô sou não. Ih, sou sim".
Palavras. Elas me fascinam. A sua junção ainda mais. Como explicar isso para quem não fala português? Ah, sei não.
Um brande abraço em todos.

Comentários

Anônimo disse…
Oi Mack, gosto cada vez mais do seu flog. Lê-lo faz pensar nos diversos assuntos, assessá-lo é certeza de novidade sempre e das boas!!!!
Parabéns amigo. Espero poder encontrá-lo logo.Bjos

Bel

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